sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Depoimento - O vai da vida às vezes é uma teimosia

Eneida é uma imagem que me assombra qualquer que seja a lua desenhada no céu. Ela vem e me pega em transe, sem que eu saiba se sonho ou enfrento um pesadelo. Nunca diz nada. Apenas dirige os seus olhos avermelhados de choro para um ponto que não sei o que eles enxergam.

São olhos negros. Grandes e redondos, nunca piscam. Ficam fixos e mal permitem interpretações sobre o que miram. Há na frente de Eneida uma área em destroços. Algo que o fogo levou e deixou somente cinzas. Ainda sobem fumaças, mas já são raros os locais onde se percebem o brilho púrpuro das brasas.

Soube que Eneida morava ali. Repartia um teto com um companheiro que um dia disse que a amava. No outro dia o companheiro havia transformado o seu amor em ciúme. O ciúme virou violência e o amor de Eneida por ele se transformou em ódio.

Soube depois que as carícias antes irrecusáveis tempos depois deixavam marcas. Tapas, socos e arranhões caracterizavam uma relação insustentável. O carinho foi trocado pelo medo. E as previsões, antes feitas sobre o que seria possível ter no futuro para ambos, agora eram sobre a impossibilidade de um dia seguinte.

As ameaças contemplavam o silêncio. A vida estava em perigo mas a voz se calava cada vez mais a cada ato de truculência. A cara metade havia caído. Eneida, que fora mulher, sucumbia ao assumir novas condições, sempre impostas: objeto do prazer, saco de pancada, inútil e biscate.  

Foi muito tempo para Eneida conseguir fugir daquele pesadelo. Quando ela despertou e foi à Delegacia da Mulher denunciar o companheiro o troco foi a casa incendiada. Eneida recebeu apoio e eu, repórter de um jornal em Santa Catarina, consenti comigo mesmo que timidamente havia feito parte daquela história de retomada da vida.

Mas agora me tortura com sua imagem estática sob qualquer lua. É que eu soube que Eneida voltou ao parceiro que havia destruído a sua vida uma vez, depois que ele cumpriu uma leve pena na prisão.

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