São olhos negros. Grandes e redondos, nunca piscam. Ficam fixos e mal permitem interpretações sobre o que miram. Há na frente de Eneida uma área em destroços. Algo que o fogo levou e deixou somente cinzas. Ainda sobem fumaças, mas já são raros os locais onde se percebem o brilho púrpuro das brasas.
Soube que Eneida morava ali. Repartia um teto com um companheiro que um dia disse que a amava. No outro dia o companheiro havia transformado o seu amor em ciúme. O ciúme virou violência e o amor de Eneida por ele se transformou em ódio.
Soube depois que as carícias antes irrecusáveis tempos depois deixavam marcas. Tapas, socos e arranhões caracterizavam uma relação insustentável. O carinho foi trocado pelo medo. E as previsões, antes feitas sobre o que seria possível ter no futuro para ambos, agora eram sobre a impossibilidade de um dia seguinte.
As ameaças contemplavam o silêncio. A vida estava em perigo mas a voz se calava cada vez mais a cada ato de truculência. A cara metade havia caído. Eneida, que fora mulher, sucumbia ao assumir novas condições, sempre impostas: objeto do prazer, saco de pancada, inútil e biscate.
Foi muito tempo para Eneida conseguir fugir daquele pesadelo. Quando ela despertou e foi à Delegacia da Mulher denunciar o companheiro o troco foi a casa incendiada. Eneida recebeu apoio e eu, repórter de um jornal em Santa Catarina , consenti comigo mesmo que timidamente havia feito parte daquela história de retomada da vida.
Mas agora me tortura com sua imagem estática sob qualquer lua. É que eu soube que Eneida voltou ao parceiro que havia destruído a sua vida uma vez, depois que ele cumpriu uma leve pena na prisão.
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