segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Conto - O Vento Sopra - Segunda Parte

(produzido e publicado na campanha eleitoral de 2010)

Dignidade em qualquer situação. Maria da Conceição trazia esse ensinamento de berço. Às vezes, quando criança, enfrentou com os pais e os irmãos circunstâncias desesperadoras por falta de dinheiro. Nunca ao extremo da fome, porque se não havia arroz e feijão na mesa, recorria-se às abóboras plantadas no cercadinho cedido pelo dono da terra para a família tocar uma horta de sustentação.

Os apertos eram de roupas remendadas até as últimas possibilidades, calçados descolados de tanto uso, falta de recursos para a compra do material das crianças e privações que se acostumam, mas de maneira nenhuma são aceitas. Como a geladeira estragada que mais servia como um armário. O fogão de lenha com os tijolos despencando, as panelas amassadas e de cabos improvisados. As pequenas bacias de alumínio usadas como pratos. Ou a caneca feita de lata de óleo de soja, de uso comum para preparar o ralo café da manhã e para todos beberem água retirada de um poço.

Jamais os pais de Maria da Conceição pediram socorro de um parente ou conhecido para melhorar o conforto da família. Nem no inverno mais forte a falta de um chuveiro elétrico foi considerado um drama. Fervia-se a água num balde colocado sobre o fogareiro de tijolos montado ao lado da porta da cozinha. A água, com quentura de pelar, ia para uma grande bacia guardada num cercadinho sem porta. O aviso de que algúém usava o local para o banho era a cortina fechando o acesso. As crianças aproveitavam a mesma água para se banhar.

Quantas vezes Maria da Conceição empinou pipa feita com folhas de revistas velhas. Ver o pedaço de papel com os rabos torcidos, agitando-se ao vento, dava uma sensação de possibilidade. Voar, sair do lugar, ir adiante, subir, ver o mundo de cima. Por isso o tremular das bandeiras depois de anos, já na idade de frequentar uma escola no meio urbano, era uma nostalgia apreciável, de querer sentir o passado sem sair do presente e ir além, no calcanhar do futuro, talvez até para as birutas que nos desenhos animados mostram a direção do vento nos campos de pouso e decolagem dos aviões.

Nada a ver com a bandeira que Maria da Conceição segura numa esquina do centro da cidade. Ou não? É um emprego. Maria da Conceição honra-o. Tem muita gratidão à vizinha que a levou até o escritório que a contratou. No caminho, recebeu orientações: deveria falar à pessoa que fez a entrevista que era eleitora do homem que tinha o nome e o número na bandeira, mesmo que não fosse votar nele.

E Maria da Conceição não tinha nenhuma informação dele. Não sabia se era um homem honesto e trabalhador. Quando viu a foto dele num enorme cartaz pregado na parede, não sentiu confiança, não percebeu o coração aceitar aquele rosto com expressão sorridente, mas falsa. Mas prometeu a si mesma que, trabalhando para ele, se esforçaria para conhecê-lo. Se ele não fosse um homem justo, seguiria os conselhos da vizinha: "Trabalhe com honestidade e dignidade para ele, pois o seu papel não é nem de pedir voto para ele. É de apenas mostrar o nome e o número dele nessa bandeira que você vai segurar na esquina. Faça isso, é a sua função".

Assim fosse. Maria da Conceição, num estalo, sentiu que Deus a perdoria por precisar do emprego de uma pessoa em quem não confiava.

Por Walter Ogama

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