domingo, 4 de setembro de 2011

Conto - E o vento sopra - Primeira Parte

(produzido e publicado na campanha eleitoral de 2010)

Maria da Conceição está trabalhando. Sim, diz-se assim secamente, sem protocolo e nota introdutória: Maria da Conceição está no trabalho.

Porque trabalhar, para Maria da Conceição, não é nenhum sacrifício. É, antes de tudo, uma necessidade. Faz parte do cotidiano desta mulher, hoje com 47 anos, quatro filhos, o mais novo com 12 e a mais velha com 18.

Muito lá atrás, Maria da Conceição ainda menina, ela já labutava no meio do roçado, chapéu de palha para aliviar a queimadura do sol na pele do rosto, ainda que protegido com um lenço que descia dos cabelos e tinha o nó atado no queixo. Calejava as maõs com o cabo da enxada, mesmas mãos que ao entardecer esfregavam roupas sujas no tanque ao lado da casa.

Sempre assim. Depois da roça, na cidade Maria da Conceição fez de tudo um pouco. Varreu, lavou e passou em casas alheias, montou em ônibus de sacoleiros para trazer mercadorias e vender nas feiras, bordou, pintou e costurou na pretensão de ganhar com o negócio de artesanato.

Voltou para o emprego de doméstica depois que perdeu o marido, aquele que retorno para o Mato Grosso tocar fazenda de soja e nunca mais apareceu em casa para dar bom dia aos filhos e boa noite à mulher.

Conseguiu até carteira registrada no último emprego. Direito a passe de ônibus e, de vez em quando, de acordo com o humor da patroa, uma quase cesta básica. Ia tudo bem.

Mas o menino de 12 adoeceu de uma doença que médico nenhum sabia o que era. Desinteria um dia, ressecamento em seguida, febre de hora para outra, alucinações e uma espécie de uivo baixinho. Dizia a dona Carolina vizinha, meia que bruxa por causa de advinhação, que era doença de cabeça por causa da saudade do pai.

Sem cura, o menino estava um dia bom, mas no outro entregava-se à crise. Uma repetição de semanas e meses, até que a patroa dispensou Maria da Conceição por causa das faltas para socorrer o filho.

Ali é que aconteceu o que ninguém quer que aconteça. Com 46 anos, Maria da Conceição não conseguiu colocação. Até para empregada doméstica ela era considerada velha. E olha que Maria da Conceição, de pele morena, tinha uma aparência jovem e uma disposição de menina.

Só um ano depois, já batendo dois meses de completar idade nova, Maria da Conceição conseguiu um emprego de carteira registrada, direito a passe de ônibus e obrigação de aguentar sol na moleira e chuva nas costas.

Lá está ela, numa esquina, empunhando a bandeira de um candidato a governador que ela nunca viu, jamais soube de alguma coisa que ele houvesse trazido de bom para a sua gente, e nem alimenta expectativa de um dia ter qualquer benefício por ela ter, na campanha eleitoral, segurado a bandeira contra o vento, de forma que o nome do homem pudesse ser visto pelos motoristas que passaram por aquele lugar.

Por Walter Ogama

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