sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Crônica - Partilha, comunhão e vizinhança


A partilha de outrora era, de fato, comunhão. Alguém vai reclamar que já falei do pão caseiro da Dona Maria, vizinha que todo fim de semana aquecia o forno de tijolos construído no quintal e assava cinco ou seis deles. Um era para minha mãe.

Rua Juruá, 181, Vila Nova, Londrina. O endereço é este. A casa onde eu morava foi demolida. Uma bela e moderna moradia está em seu lugar. O pão era feito nas sextas e seguia quase que um ritual. Dona Maria acordava bem cedinho e tratava de colocar as roupas no varal.

Depois, numa mesa de madeira instalada na varanda dos fundos lidava com a massa. O velho rolo de madeira tratava de dar o ponto necessário e o formato era trabalhado com arte. Enquanto a massa descansava, Dona Maria providenciava os gravetos para aquecer o forno.

A lenha se achava no próprio quintal. Nem as mercearias mais atualizadas da época vendiam carvão. Bobagem estocar num bairro sem asfalto nas ruas e com muita vegetação secando na beirada das casas um produto que ninguém usa.

Fogo aceso esperava-se pelo crescimento para em seguida o cheiro gostoso do pão caseiro assanhar a vizinhança. Nas sextas também se faziam as limpezas gerais, com água tirada do poço artesiano lavando até o chão de terra. Não era desperdício, a água abundava e deitava a poeira que encardia os panos de prato.

No final da tarde, ainda antes do anoitecer, o pão passava pela cerca de madeira, das mãos de Dona Maria para as mãos de Dona Luiza, minha mãe. Isso era um hábito entre os vizinhos de outrora. Se alguém fazia um doce de banana, preparava-o em quantidade para repartir com quem mora ao lado.

Ninguém mantinha este hábito por ser uma obrigação. E se fizessem uma lei tornando a prática necessária, com certeza os vizinhos de antigamente dariam às costas. Continuariam a ser fraternos por terem a fraternidade dentro de si.

Aliás, essa comunhão também não dependia de recomendações dos orientadores religiosos inspirados nas escrituras. Por falta de igrejas e de templos nas proximidades raramente a minha vizinhança participava de celebrações. Só nas ocasiões especiais vestiam roupas de domingo e calçados engraxados para um batizado, um casamento, uma missa de sétimo dia em outros bairros.

Mamãe raramente preparava algo diferente e se constrangia ao receber partilhas dos vizinhos. Mas, costureira, ela por tantas vezes acertou caseados, bainhas, botões mal colocados e costuras desfeitas sem cobrar nada das vizinhas. Os favores eram trocados, mas sem que ninguém se sentisse na obrigação de devolver alguma coisa.

Parecia uma família pronta a participar da vida de todos de um jeito produtivo e gostoso. Nada a ver com as promessas escritas e faladas de agora.


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