A partilha de outrora era, de fato, comunhão. Alguém
vai reclamar que já falei do pão caseiro da Dona Maria, vizinha que todo fim de
semana aquecia o forno de tijolos construído no quintal e assava cinco ou seis
deles. Um era para minha mãe.
Rua Juruá, 181, Vila Nova, Londrina. O endereço é
este. A casa onde eu morava foi demolida. Uma bela e moderna moradia está em
seu lugar. O pão era feito nas sextas e seguia quase que um ritual. Dona Maria
acordava bem cedinho e tratava de colocar as roupas no varal.
Depois, numa mesa de madeira instalada na varanda
dos fundos lidava com a massa. O velho rolo de madeira tratava de dar o ponto
necessário e o formato era trabalhado com arte. Enquanto a massa descansava,
Dona Maria providenciava os gravetos para aquecer o forno.
A lenha se achava no próprio quintal. Nem as
mercearias mais atualizadas da época vendiam carvão. Bobagem estocar num bairro
sem asfalto nas ruas e com muita vegetação secando na beirada das casas um
produto que ninguém usa.
Fogo aceso esperava-se pelo crescimento para em
seguida o cheiro gostoso do pão caseiro assanhar a vizinhança. Nas sextas
também se faziam as limpezas gerais, com água tirada do poço artesiano lavando
até o chão de terra. Não era desperdício, a água abundava e deitava a poeira
que encardia os panos de prato.
No final da tarde, ainda antes do anoitecer, o pão
passava pela cerca de madeira, das mãos de Dona Maria para as mãos de Dona
Luiza, minha mãe. Isso era um hábito entre os vizinhos de outrora. Se alguém
fazia um doce de banana, preparava-o em quantidade para repartir com quem mora
ao lado.
Ninguém mantinha este hábito por ser uma obrigação.
E se fizessem uma lei tornando a prática necessária, com certeza os vizinhos de
antigamente dariam às costas. Continuariam a ser fraternos por terem a
fraternidade dentro de si.
Aliás, essa comunhão também não dependia de
recomendações dos orientadores religiosos inspirados nas escrituras. Por falta
de igrejas e de templos nas proximidades raramente a minha vizinhança participava
de celebrações. Só nas ocasiões especiais vestiam roupas de domingo e calçados
engraxados para um batizado, um casamento, uma missa de sétimo dia em outros
bairros.
Mamãe raramente preparava algo diferente e se
constrangia ao receber partilhas dos vizinhos. Mas, costureira, ela por tantas
vezes acertou caseados, bainhas, botões mal colocados e costuras desfeitas sem
cobrar nada das vizinhas. Os favores eram trocados, mas sem que ninguém se
sentisse na obrigação de devolver alguma coisa.
Parecia uma família pronta a participar da vida de
todos de um jeito produtivo e gostoso. Nada a ver com as promessas escritas e
faladas de agora.
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